Capitalismo
O surgimento dos primeiros comerciantes
e artesãos livres nas pequenas cidades medievais foi o germe de uma sociedade
nova que, no decorrer de alguns séculos, substituiria o sistema feudal. No
capitalismo, as classes não mais se relacionam pelo vínculo da servidão, mas
pela posse ou carência de meios de produção e pela contratação livre do
trabalho.
Capitalismo é o sistema econômico que se
caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção -- máquinas,
matérias-primas, instalações. Nesse sistema, a produção e a distribuição das
riquezas são regidas pelo mercado, no qual, em tese, os preços são determinados
pelo livre jogo da oferta e da procura. O capitalista, proprietário dos meios
de produção, compra a força de trabalho de terceiros para produzir bens que,
após serem vendidos, lhe permitem recuperar o capital investido e obter um
excedente denominado lucro.
As duas condições essenciais que
determinam o modo capitalista de produção são: (1) a existência de capital,
conjunto de recursos que se aplica na compra de meios de produção e força de
trabalho e (2) existência de trabalhadores livres, que vendam sua força de
trabalho em troca de salário. Definem-se assim as duas classes sociais básicas:
a dos capitalistas e a dos assalariados.
São chamados capitalistas os países cujo
modo de produção dominante é o capitalista. Neles coexistem, no entanto, outros
modos de produção e outras classes sociais, além de capitalistas e
assalariados, como artesãos e pequenos agricultores. Nos países menos desenvolvidos,
parte da atividade econômica assume formas pré-capitalistas, exemplificadas
pelo regime da meia ou da terça, pelo qual o proprietário de terras entrega a
exploração destas a parceiros em troca de uma parte da colheita.
Outros elementos que caracterizam o
capitalismo são a acumulação permanente de capital; a distribuição desigual da
riqueza; o papel essencial desempenhado pelo dinheiro e pelos mercados
financeiros; a concorrência, embora modificada pela concentração monopolística;
a inovação tecnológica ininterrupta e, nas fases mais avançadas de evolução do
sistema, o surgimento e expansão das grandes empresas multinacionais. A divisão
técnica do trabalho, ou seja, a especialização do trabalhador em tarefas cada
vez mais segmentadas no processo produtivo, é também uma característica
importante do modo capitalista de produção, uma vez que proporciona aumento de
produtividade. Esse aspecto inexiste na produção artesanal, em que o
trabalhador participa da produção de um bem do início ao fim do processo
produtivo.
Origens do capitalismo. Denominado
também economia de mercado ou de livre empresa, o capitalismo deve ser
entendido, sobretudo, como modo de produção. Assim, a circulação de mercadorias
e de dinheiro não basta para caracterizá-lo: sua origem não se confunde com o
início do comércio em larga escala. A classe mercantil afirmou-se na fase de
decadência do modo de produção feudal, mas o capitalismo só floresceu quando o
modo de produção que o caracteriza tornou-se dominante. Assim, não se pode falar
em capitalismo na antiguidade ou na Idade Média, nem em cidades como Gênova,
Veneza ou Pisa, que se desenvolveram em função do comércio.
A expansão comercial foi, no entanto, o
fator que permitiu a eclosão posterior do capitalismo. O crescimento das cidades,
a abertura de novas rotas marítimas, o contato com novos centros populacionais
do Oriente, a descoberta de metais preciosos no Novo Mundo e a ampliação do
comércio entre as cidades européias provocaram o aumento da demanda além da
capacidade de produção artesanal. Criaram-se desse modo as condições para o
surgimento da produção industrial.
A expansão do capitalismo comercial,
ocorrida entre os séculos XIII e XVIII, promoveu a difusão das idéias
mercantilistas, que advogavam a intervenção do estado para promover a
prosperidade e o fortalecimento das nações. Como a acumulação de riquezas
dependia da exploração e comercialização do ouro e da prata, os países
lançaram-se à conquista de novas terras e à ampliação dos mercados. Dessa
forma, o espírito do mercantilismo estimulou os sentimentos nacionalistas,
provocou o florescimento do comércio e, em conseqüência, criou as condições
para a aparição do modo de produção capitalista.
As riquezas acumuladas durante o período
mercantilista, que eram empregadas na compra de produtos manufaturados por
artesãos independentes, para revenda, ou em empréstimos a juros, passaram a ser
usadas para contratar força de trabalho e compra de meios de produção. Deixaram
assim de funcionar como capital comercial e capital usurário para assumir a
forma de capital industrial.
Evolução histórica. A primeira fase de
expansão do capitalismo confunde-se com a revolução industrial, cujo berço foi
a Inglaterra, de onde se estendeu aos países da Europa ocidental e,
posteriormente, aos Estados Unidos. A evolução do capitalismo industrial foi,
em grande parte, conseqüência do desenvolvimento tecnológico. Por imposição do
mercado consumidor, os setores de fiação e tecelagem foram os primeiros a
usufruir dos benefícios do avanço tecnológico. A indústria manufatureira
evoluiu para a produção mecanizada, possibilitando a constituição de grandes
empresas, nas quais se implantou o processo de divisão técnica do trabalho e a
especialização da mão-de-obra.
Ao mesmo tempo em que se desencadeava o
surto industrial, construíram-se as primeiras estradas de ferro, introduziu-se
a navegação a vapor, inventou-se o telégrafo e implantaram-se novos progressos
na agricultura. Sucederam-se as conquistas tecnológicas: o ferro foi
substituído pelo aço na fabricação de diversos produtos e passaram a ser
empregadas as ligas metálicas; descobriu-se a eletricidade e o petróleo; foram
inventadas as máquinas automáticas; melhoraram os sistemas de transportes e
comunicações; surgiu a indústria química; foram introduzidos novos métodos de
organização do trabalho e de administração de empresas e aperfeiçoaram-se a
técnica contábil, o uso da moeda e do crédito.
Na Inglaterra, Adam Smith e seus
seguidores desenvolveram sua teoria liberal sobre o capitalismo. Na França,
após a revolução de 1789 e as guerras napoleônicas, passou a predominar a
ideologia do laissez-faire, ou do liberalismo econômico, que tinha por
fundamentos o livre comércio, a abolição de restrições ao comércio
internacional, o livre-câmbio, o padrão-ouro e o equilíbrio orçamentário. O
liberalismo se assentava no princípio da livre iniciativa, baseado no
pressuposto de que a não regulamentação das atividades individuais no campo
socioeconômico produziria os melhores resultados na busca do progresso.
Em pouco tempo, no entanto, o
liberalismo econômico mostrou suas primeiras imperfeições: as poderosas
organizações econômicas que se instalaram passaram a enfrentar dificuldades
para comercializar seus produtos, já que os mercados consumidores não cresciam
na mesma proporção que a capacidade produtiva da indústria. A concorrência, por
sua vez, levou ao aniquilamento das pequenas empresas e à concentração
industrial em trustes e cartéis, que evoluíram para o monopólio.
Os países industrializados lançaram-se
então à conquista de mercados externos, apoiados, muitas vezes, numa política
de duas faces: a defesa do livre comércio, válido para as colônias e países
importadores de produtos industrializados, e o protecionismo, destinado a
defender os produtos nacionais da concorrência do competidor externo.
A repartição da África e a divisão do
mundo inteiro em esferas de influência dos diferentes países industrializados
completaram o quadro da expansão do capitalismo, na fase denominada
imperialismo.
Capitalismo no século XX. A partir da
primeira guerra mundial, o quadro do capitalismo mundial sofreu importantes
alterações: o mercado internacional restringiu-se; a concorrência americana
derrotou a posição das organizações econômicas européias e impôs sua hegemonia
inclusive no setor bancário; o padrão-ouro foi abandonado em favor de moedas
correntes nacionais, notadamente o dólar americano, e o movimento
anticolonialista recrudesceu.
Os Estados Unidos, depois de liderarem a
economia capitalista mundial até 1929, foram sacudidos por violenta depressão
econômica que abalou toda sua estrutura e também a fé na infalibilidade do
sistema. A política do liberalismo foi então substituída pelo New Deal: a
intervenção do estado foi implantada em muitos setores da atividade econômica,
o ideal do equilíbrio orçamentário deu lugar ao princípio do déficit planejado
e adotaram-se a previdência e a assistência sociais para atenuar os efeitos das
crises. A progressiva intervenção do estado na economia caracterizou o
desenvolvimento capitalista a partir da segunda guerra mundial. Assim, foram
criadas empresas estatais, implantadas medidas de protecionismo ou restrição na
economia interna e no comércio exterior e aumentada a participação do setor
público no consumo e nos investimentos nacionais.
A maior parte das antigas colônias
tornou-se independente, modificando substancialmente a relação de subordinação
econômica às metrópoles. Em muitos setores, a concentração de empresas passou a
ser dominante, formando poderosos complexos empresariais, dentro e fora das
fronteiras dos países de origem. Surgiram as empresas multinacionais, com
participação societária de pessoas ou organizações domiciliadas em diferentes
países.
A implantação do modo socialista de
produção, a partir de 1917, em um conjunto de países que chegou a abrigar um
terço da população da Terra, representou um grande desafio para o sistema de
ecocomia de mercado. As grandes nações capitalistas, antes empenhadas em
disputas de redivisão do mundo entre si, passaram a ver como inimigo comum o
bloco socialista, ampliado a partir da segunda guerra mundial com a instauração
de regimes comunistas nos países do leste europeu e com a revolução chinesa.
Grande parte dos recursos produtivos foi investida na indústria bélica e na
exploração do espaço com fins militares. Essa situação perdurou até a
desagregação da União Soviética, em 1991, e o início da marcha em direção à
economia de mercado em países como a China.
Além da grande depressão da década de
1930, o capitalismo do século XX passou a manifestar crises que se repetem a
intervalos. O período que as separa torna-se progressivamente mais curto. O
desemprego, as crises nos balanços de pagamentos, a inflação, a instabilidade
do sistema monetário internacional e o aguçamento da concorrência entre os
grandes competidores caracterizam as chamadas crises cíclicas do sistema
capitalista.
Crítica do capitalismo. A mais rigorosa
análise do capitalismo foi feita por Karl Marx, o ideólogo alemão que propôs a
alternativa socialista ao sistema. Segundo o marxismo, o capitalismo encerra
uma contradição fundamental entre o caráter social da produção e o caráter
privado da apropriação, que conduz a um antagonismo irredutível entre as duas
classes principais da sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado.
O caráter social da produção se expressa
pela divisão técnica do trabalho, organização metódica existente no interior de
cada empresa, que impõe aos trabalhadores uma atuação solidária e coordenada.
Apesar dessas características da produção, os meios de produção constituem
propriedade privada do capitalista. O produto do trabalho social, portanto, se
incorpora a essa propriedade privada. Segundo o marxismo, o que cria valor é a
parte do capital investida em força de trabalho, isto é, o capital variável. A
diferença entre o capital investido na produção e o valor de venda dos
produtos, a mais-valia, apropriada pelo capitalista, não é outra coisa além de
valor criado pelo trabalho.
A essa contradição fundamental se
acrescentam outras, como o caráter anárquico da produção. O dono dos meios de
produção é livre para empregar seu capital no setor produtivo que mais lhe
convier. Assim, a produção não atende às necessidades sociais, mas ao interesse
do capitalista em auferir o maior lucro. As crises de superprodução do sistema,
em que uma grande quantidade de produtos não encontra compradores no mercado,
ilustram a anarquia da produção.
O sistema capitalista tampouco garante
meios de subsistência a todos os membros da sociedade. Pelo contrário, é
condição do sistema a existência de uma massa de trabalhadores desempregados,
que Marx chamou de exército industrial de reserva, cuja função é controlar,
pela própria disponibilidade, as reivindicações operárias. O conceito de
exército industrial de reserva derruba, segundo os marxistas, os mitos liberais
da liberdade de trabalho e do ideal do pleno emprego.
A fase imperialista do capitalismo foi
descrita por teóricos posteriores a Marx, principalmente por Lenin. Sua
característica mais importante para a sobrevivência do capitalismo nas metrópoles
é a exportação das contradições inerentes ao sistema para a periferia
subdesenvolvida, onde os capitais estrangeiros encontram mão-de-obra abundante
e barata, níveis de sindicalização e organização operárias incipientes,
facilidades fiscais e conivência de governos de força pró-imperialistas, além
de mercado para produtos obsoletos.
Depois de setenta anos de vigência, em
que enfrentaram guerras na disputa de áreas estratégicas de influência e
dificuldades internas decorrentes, principalmente, da instalação de burocracias
autoritárias no poder, os regimes socialistas não tinham conseguido estabelecer
a sociedade justa e de bem-estar que pretendiam seus primeiros ideólogos. A
União Soviética, maior potência militar do planeta, exauriu seus recursos na
corrida armamentista, mergulhou num irrecuperável atraso tecnológico e
finalmente se dissolveu, na última década do século XX. A Iugoslávia socialista
se fragmentou em sangrentas lutas étnicas e a China abriu-se, cautelosa e
progressivamente, para a economia de mercado.
O capitalismo, no entanto, apesar do
caráter efêmero que para ele previam seus críticos, mostrou uma notável
capacidade de adaptação a novas circunstâncias, fossem elas decorrentes do
progresso tecnológico, da existência de modelos econômicos alternativos ou da
crescente complexidade das relações internacionais. A progressiva ingerência de
organismos de planejamento e ajuste, como a união econômica e política da
Europa ensaiada no final do século XX, não conseguiu, no entanto, integrar ao quadro
do desenvolvimento econômico a maior parte dos países da África, da Ásia e da
América Latina.
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