Dos escritos de Cristovão Colombo,
Hernán Cortez e Frei Bartolomé de Las casas podemos observar diferentes
pensamentos e objetivos dentro do processo de conquista e na montagem da vasta
e complicada empresa colonial, tendo este trabalho como objetivo principal a
análise de como estes três cronistas/conquistadores perceberam o homem
americano através de seus relatos.
Cristovão Colombo nasceu
em 1451 e faleceu em 1506, grande parte dos documentos indicam que o grande
navegador era genovês, falava genovês, espanhol e português e transitava o
tempo todo de região, se sabe muito pouco sobre Colombo, do que ele escreveu
restaram os diários via Las casas e via o filho Fernando Colombo e alguns
fragmentos da profecia que ele escreveu, enfim este navegador se trata de uma
figura ambígua e contraditória que permite varias interpretações.
A narrativa mais influente
para as navegações de Colombo vem de Marco Polo, Colombo anotou sua edição do
livro das maravilhas com abundantes notas às margens, a descrição de
riquíssimos reinos como Cipango e Catai faz somarem-se os interesses
mercantilistas com os interesses épicos de conquista.
Ao ler os relatos de
Colombo podemos perceber que a América foi inventada antes de ser descoberta,
ou seja na verdade Colombo não "descobre" a América e sim ao invés de
dar a conhecer, identifica e verifica a América. É curioso notar como Colombo
vê muito pouco das coisas que surgem na sua viagem de 1492, sua certeza é
alimentada por convicções ligadas a Marco polo, sua narrativa busca apenas
aquilo que quer encontrar, não problematiza, não desenvolve possibilidades que
fujam a estas estruturas de narração. Seu autoritarismo mistura-se a sua
condescendência e nasce de um elemento que seria comum a muitos outros descobridores:
identifica o mundo como um, e seus valores passam a ser validos em todo o
universo.
Na verdade Colombo busca o
paraíso, ele chega a afirmar que encontrou vários sinais da presença do
paraíso, o "paraíso" para Colombo é uma realidade física, ele
constrói a realidade que ele quer ,ou seja, ele empreende uma viagem de
navegação simplesmente para identificar aquilo que já conhecia de antemão,
entretanto quando Colombo chega as Ilhas do Caribe a realidade é outra, por
isso Colombo inventa ficcionaliza, encobre e deforma, pois Colombo não abre mão
de seu esquema mental.
Colombo era uma figura
mêssianica, que acreditava ser um enviado de deus, ele achava uma missão dada a
ele cristianizar os povos, e por ter chegado a "Ásia" era a confirmação
de seu papel como enviado de deus .Colombo vê a cultura desses povos como uma
folha em branco a qual pode se escrever a evangelização e a escravidão
"eles serão bons vassalos", os relatos de Colombo passam a idéia de
um povo pacífico"(...) já que os índios não são gente capaz de fazer alguma coisa, mesmo premeditada(...)".
A busca por riqueza esta
presente desde o começo do relato " E eu estava atento, me esforçando para
saber se havia ouro, e vi que alguns traziam um pedacinho pendurado num furo
que têm no nariz e, por sinais, consegui entender que indo para o sul ou
contornando a ilha naquela direção, encontraria um rei que tinha grandes taças disso e em vasta quantidade",
podemos ver assim a idéia do comercio neste sentido, na cabeça de Colombo ele
estava na Ásia ,se ele ainda não encontrou riqueza seria porquê não estava no
interior. Os habitantes da América devido ao erro histórico de Colombo são
chamados de índios, um termo genérico que opera em um processo que acaba com a
diferença
Um ato fundamental para
Colombo foi o de nomear e tomar posse, podemos perceber que Colombo teve uma verdadeira verocidade em nomear e
tomar posse das terras, o nomear era no sentido de apropriar, pois as terras
que ele encontrou já estavam nomeadas. Colombo não dialogava com os índios porquê achava que eles não sabiam falar, pois
não tinham escrita, para Colombo a língua era uma referencia direta daquilo que
era universal conforme observamos " É verdade que, como essa gente pouco
se comunica entre uma ilha e outra, existe alguma diferença entre suas línguas
(...)enviá-los aí para Castela só poderia fazer bem, porque se livrariam, de
uma vez por todas, desse costume desumano que têm de comer gente, e aí em
Castela, entendendo a língua, receberiam bem mais rápido o batismo, com grande
proveito para suas almas", ou seja, Colombo recomenda que os índios sejam
levados para Europa para aprenderem a falar. Não para aprenderem o espanhol ou
latim, mas para aprenderem a falar.
Hernán Cortez nasceu em
Medellín, em 1485,filho de Martins cortez de monroy, que era capitão da
infantaria ,sua mãe se chamava Catarina pizarro altamurano, vinda de família
tradicional e religiosa, relatos da época mostram que a família de Hernán
Cortez era de uma baixa nobreza. Desde pequeno aprende as atividades da nobreza
,cavalgar com precisão e caça esportiva, passando os primeiros 14 anos de sua
vida em Medellín saindo rumo a Salamarca somente em 1499 e ao que tudo indica
foi estudar direito, tendo assim aprendido o latin, mas permaneceu apenas 2
anos, deixando seus estudos.
Nas cartas de relatos de
Hernán Cortez dão conta da exploração e conquista do Mêxico, que elevou Cortez
ao mais alto cargo entre os capitães e políticos de seu tempo, nesses relatos o
leitor encontrará tudo que aconteceu desde seu desembarque em Yucatán até a
queda de tenochtitlán, a capital Asteca. A segunda carta, uma das mais
importantes para conhecer a historia da conquista do Mêxico, foi datada de 30
de outubro de 1520, na qual Cortez justifica sua liderança pelas seguintes
palavras "não tenho outro pensamento senão servir a deus e ao rei",
podemos perceber que Cortez era um homem de profunda fé e em segundo lugar
temos o nome do rei, e a figura do rei não é simplesmente de um líder, mas de
uma espécie de deus na terra, principalmente o rei da Espanha que era
estandarte da fé católica, Cortez antes de um saqueador era um civilizador,
antes de um destruidor era um catequizador.
Já no inicio da segunda carta
é falado em conquista e pacificação "E depois disto só não mandarei
informações por falta de navios e por
estar ocupado na pacificação e conquista desta terra, pois é meu desejo que
vossa alteza saiba de tudo que aqui esta ocorrendo", Cortez tinha claro em
sua mente que sua função era a de conquistar aquele território e pacificar o
seu povo, desde os primeiros relatos a importância da dominação política já
parece bem clara.
Cortez chama os índios de
súditos e os seus senhores de vassalos de Carlos V, ou seja Cortez estava
fazendo uma estrutura de dominação política aos moldes europeu ,assim Cortez
via os índios como homens assim como ele era ,e tendo estes aceitado a fé
cristã, são tão grande quanto os vassalos europeus(lembrando que
vassalo=nobre),podemos notar que Cortez se preocupou em integrar os índios ao
seu projeto e a sociedade que estava criando, ainda que fosse uma integração a
força.
Todorov nos mostra que Cortez
se preocupava na comunicação, ia atrás de intérpretes, queria entender e se
fazer entender "O que Cortez quer, inicialmente, não é tomar, mas
compreender, são os signos que interessam a ele em primeiro lugar, não os
referentes. Sua expedição começa com uma busca por informação e não por ouro. A
primeira ação que executa é(...)procurar um intérprete. Ouve falar de índios
que empregam palavras espanholas, deduz que talvez haja Espanhóis entre eles, suas suposiçoes são
confirmadas(...)um deles, Jerônimo de Aquilar se une á tropa de Cortez(...)esse
aquilar, transformado em intérprete oficial de Cortez lhe prestara serviços
inestimaveis", entretanto Aquilar só falava o Maia, e na busca por
intérpretes Cortez encontra "la malinche" que lhe serviu de
intérprete durante todo o processo e que também foi sua amante.
Podemos observar que Cortez
venceu os Astecas muito mais pela força das palavras, do que pela força das
armas, como por exemplo o apoio dos tarcaltecas e dos cempoal, dai a grande
importância de Malinche, que era sua vez para a comunicação com todos.
O assunto mais estudado da
vida de Cortez é a conquista tenochitlán e só se pode entender essa conquista
ao se enxergar qual era o projeto que tinha estabelecido e quais as bases ele
traçou para atingir esse objetivo, o primeiro ponto interessante é a chegada de Hernán Cortez á cidade ,o seu
espanto com a grandeza e a riqueza, podemos notar varias vezes as
palavras" riqueza" e "bonito".
Como sabemos a vitoria final
foi de Cortez, não tanto pela força da espada ,mas pela força da palavra, não
eram 500 contra100.000, mas 100.000 aliados a cortez contra os Astecas, que já
estavam sem um lider e com revoltas internas causadas pela morte de Montezuma.
Nos dois ultimos parágrafos da
carta de Cortez percebemos a comparação feita a Espanha "Pelo que tenho
visto, existe muita similaridade entre esta terra e a Espanha, tanto em sua
grandeza, fertilidade e frio, alem de outras coisas", Cortez em todo o
decorrer da sua carta faz essas comparações da Espanha com a nova terra
encontrada.
Frei Bartolomé de Las casas é
natural de Servilha, nasceu no dia 11 de novembro de 1474 filho de um modesto
comerciante chamado Pedro de Las casas e de
Isabel de Sosa. O primeiro contato de Bartolomé com o novo mundo foi
através de seu pai, que embarcou na segunda expedição de Cristovão Colombo em
1493 e volta em 1499,trazendo um jovem índio que se torna amigo de Bartolomé e
desperta no futuro frei o interesse pelos povos do novo mundo. Em 1522 Pedro de
Las casas se alista na expedição de Ovando e leva consigo Bartolomé, que nos
dois anos seguintes escreve seu primeiro livro "historia de las índias",
onde retrata as ferozes matanças dos índios comandadas por Ovando, e assim por
diante escreve varias obras.
Frei Bartolomé de Las casas,
considerado apóstolo dos índios ou "defensor e protetor universal de todos
os povos índigenas ", foi um encomiendeiro que durante um sermão se
converteu e consagrou sua vida na defesa dos índigenas do novo mundo, o frei
constantemente cita que os índios são filhos de deus e tem o direito de serem
evangelizados, dizendo que os Espanhóis
nunca tiveram o mínimo cuidado em procurar fazer com que essa gente
fossem pregados a fé de Jesus cristo, como se os índios fossem animais e ainda
proibiam os religiosos afim de que não pregassem, pois acreditavam que isso os
impediriam de adquirir o ouro.
A "Brevissíma relação de
destruição das índias" é seguramente, a obra mais importante de frei
Bartolomé, foi lançado em 1552 transformando-se em um best-seller e é um texto
onde o autor descreve província por província, as violências realizadas pelos
Espanhóis durante a conquista em meio á qual foram mortos perto de 20 milhões
de índios, a partir do livro criou-se a chamada "leyenda negra",
neste livro las casas chama os conquistadores de
"sujos","tiranos crueis", "sangrento
destruidores" conforme podemos observar: "os Espanhóis com seus
cavalos, suas espadas, suas lanças começaram a praticar crueldades
estranhas...Arrancavam os filhos dos seios da mãe e lhes esfregavam a cabeça
contra os rochedos....Outros mais furiosos, passavam as mães e os filhos a fio
de espada...faziam certas forças baixas, de forma que os pés tocavam quase a
terra treza, em honra e reverencia de nosso senhor e de seus 12 apóstolos(como
diziam) e, deitando-lhes fogo, queimavam vivos todos". Este é basicamente
o contéudo do livro que leva o leitor a criticar a conquista da América e todos
os tipos de violência praticados contra o índigena.
Das obras de Las casas podemos
apreciar sua dedicação aos índios, descrevem ainda a excepcional doçura
humildade, pobreza, sensibilidade e generosidade dos índigenas e em função
destas características buscava na medida do possível uma catequização pacifica
e humana dentro do processo de conquista, demonstrando as qualidades humanas e
culturais dos índios e as possibilidades pacificas de sua cristianização. O
intuito de Las casas era utilizar procedimentos
pacíficos para conseguir a transformação das culturas índigenas,
procurando sua ocidentalização, ao menos em alguns aspectos, como as crenças
religiosas, sua única concessão para o planejamento dominante da cultura
conquistadora era a relativa evangelização daquela nova humanidade e isso não
deveria ser entendido como processo de dominação mas como um meio de liberação.
De 1574 a 1566, Las casas leva
adiante sua luta cada vez mais radical, fazendo dezenas de denúncias, protestos,
pedidos, exigindo que os índigenas fossem encarados como os verdadeiros
proprietários daquela terra, conseguindo na pratica duas importantes vitórias
(mas que ele sempre considerou insuficientes): as novas leis de 1492, que
praticamente acaba com as encomiendas e as doutrinas jurídicas expostas na
Universidade de Salamanca pelo reformador da teologia Francisco de vitória, que
lhe garantiu a vitória contra Juan gines de Sepulveda, o qual pregava a
"servidão natural" dos índios da América. Las casas morre aos 92
anos, deixando suas obras no colégio de San gregorio, firmado e assinado no
testamento escrito em 1564 deixando também uma quantia para ser repartida entre
os índios de tepetlaoztoc de um convento do mêxico e de Vera paz.
Podemos assim analisar grandes
diferenças entre Colombo, Cortez e Las casas. Enquanto Colombo não se
interessou por conhecer mais a terra conquistada e saber mais sobre a população
que vivia lá, optando por inventar e modificar de acordo com seu esquema
mental. Hernán Cortez já teve uma visão muito mais avançada do que seus
contemporaneos vendo os índios como homens e procurando saber mais sobre eles
conforme a citação de Todorov:" A diferença entre Cortez e os que o
precederam talvez esteja no fato de ter sido ele o primeiro a possuir uma
consciência política e até mesmo histórica de seus atos", dai se explica o
fato deste conquistador obter muito mais sucesso no processo de conquista, do
que o processo de conquista de Colombo.
Outro aspecto interessante é
a comparação entre as três narrativas, Colombo se destaca pela admiração pela
natureza e em rebatizar os lugares encontrados, enquanto Cortez constrói uma
narrativa épica parecendo assim um herói, já Las casas denuncia o sistema das
encomiendas, a exploração e o massacre espanhol sobre os índigenas.
Uma coisa em comum nos três
cronistas é a busca pela catequização dos povos dominados, apesar de grau
diferente de interesse, podemos perceber que os projetos de Las casa eram
éticos e estavam fora do tempo com suas concepções de liberdade,
autodeterminação e relativismo cultural, enquanto para Colombo e Cortez o
significado da colonização seria muito mais um meio para realizar os
mandamentos da escritura na qual pregava que todos os povos da América
precisava ouvir o evangelho, e isso deveria ocorrer mesmo que fosse necessário
usar a violência. O intuito de Las casas era utilizar procedimentos pacíficos
para conseguir a transformação das culturas índigenas. Percebemos que Las casas
quer deixar de mostrar os índios como ser inferior ou irracional como eram
tachados, e sim mostrar seu potencial através da riqueza dos seus mitos, sua
arte e literatura e tantos outros componentes de sua cultura.
Como vimos estes três
cronistas escreveram obras importantes que contam a história da colonização
espanhola, em três visões diferentes. Os estilos de exposição escolhidos pelos
autores dizem muito sobre seu objetivo, como por exemplo o titulo da obra de
Las casas " O paraíso destruído", essa proposição empregada fomenta a
idéia de que os índios mexicanos seriam vitimas da conquista espanhola, nos
mostrando assim que o autor trabalha com a visão dos dominados, enquanto
Colombo e Cortez exalta a conquista por trabalhar com a visão dos dominantes.
Quanto aos estilos em si, nos
escritos de Colombo, Cortez e Las casas,
percebemos a existência de dois tipos básicos de narração (entendida como uma série de acontecimentos articulados
cronologicamente dentro de um trama principal) e a análise(ou seja uma
exposição que procura explicar os mecanismos de inter-relação dos fenômenos),
diferentemente dosados em cada um deles.
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